Numa caverna
escura, onde a claridade nunca surgira, vivia um homem muito
simples que implorava o socorro divino.
Declarava-se o mais infeliz dos homens, não obstante, em sua
cegueira moral, sentia-se o melhor de todos.
Reclamava do ambiente fétido em que se encontrava.
O ar pestilento o sufocava.
Pedia a Deus uma porta libertadora que o conduzisse ao convívio
do dia claro.
Afirmava-se robusto, apto, capaz.
Por que motivo era conservado ali, naquele insulamento doloroso,
em atmosfera tão insuportável?
Suas súplicas, entre a revolta e a amargura, foram percebidas
por Deus que, profundamente compadecido, enviou-lhe a fé.
A sublime virtude exortou-o a confiar no futuro e a persistir na
oração.
O infeliz consolou-se mas, logo em seguida, voltou a
lamuriar-se.
Queria fugir, desistir, abandonar a vida, e como suas lágrimas
aumentavam, Deus mandou-lhe a esperança.
A emissária divina afagou-lhe a fronte e falou-lhe da eternidade
da vida, buscando secar-lhe o pranto desesperado.
Rogou-lhe calma, resignação e fortaleza.
O pobre homem pareceu melhorar, mas, decorrido algum tempo,
voltou à lamentação.
Comovido, o senhor da vida determinou que a caridade o
procurasse.
A nova mensageira acariciou-o e alimentou-o.
Endereçou-lhe palavras de carinho e amparou-o, como se fosse
abnegada mãe.
Todavia, o infeliz persistia gritando, revoltado.
Foi então que Deus enviou-lhe a verdade.
Quando a portadora do esclarecimento se fez sentir na forma de
uma grande luz, o infortunado, pela primeira vez na vida, viu-se
tal qual era e apavorou-se.
Seu corpo estava coberto de chagas, da cabeça aos pés.
Agora, somente agora, ele percebia, espantado, que ele mesmo era
o responsável pela atmosfera intolerável em que vivia.
Tremeu cambaleante e horrorizou-se de si mesmo.
Sem coragem de encarar a sublime visitante que lhe abria a porta
da libertação, fugiu apavorado, em busca de outra furna onde
conseguisse esconder a própria miséria que só então reconhecia.
Assim ocorre com a maioria dos homens perante a
realidade. Sentem-se com direito a receber todas as bênçãos do
pai eterno e gritam fortemente, implorando a ajuda celestial.
Enquanto amparados pela fé, pela esperança ou pela caridade,
consolam-se e desesperam-se, crêem e descrêem, tímidos,
irritadiços e hesitantes. Quando a verdade, porém, brilha diante
deles, revelando-lhes a real condição em que se encontram,
costumam fugir apressados, em busca de esconderijos, nos quais
possam cultivar a ilusão.
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